segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A força do perdão

PREFÁCIO: lampejo após sofrimento, confissão, perdão e graça.

Quando perdoamos, a nossa memória começa a ficar turva e o fato passado vai desaparecendo até que não conseguimos mais nos lembrar dele. Daí aquela vinculação, compromisso e peso devido a imagens passadas vai se desvanecendo a ponto da linha de fatos que nos prendem se perder. Uma mente exercitada nisso varre as experiências sem sentido e se abraça às belas imagens universais, a vida passa a ter um caráter menos sequencial e passageiro e mais eterno e universal, a as imagens já não precisam da lógica da sequência, mas são como que quadros estáticos que fazem sentido total e reúnem passado e futuro de uma vez.

Muitas vezes um pecado que é cometido contra nós não é entendido naquele instante como ofensa, nem sequer despertando raiva ou vontade de vingança. Mas a agressão é entendida no nosso subconsciente como transgressora dos princípios universais impressos pelo Espírito Santo na alma de cada um e de todos. Embora nós não tenhamos percebido essa violência contra os nossos princípios (que são universais), a alma guarda aquela memória, como uma dívida não perdoada.

Toda dívida que o mundo externo tem conosco e que nós não perdoamos é levada como peso a carregar, como se a agressão nos tirasse o movimento da alma, assim como o corpo fica quando tem um tornozelo torcido. O perdão é o cicatrizante da alma, que a liberta daquele peso inconsciente que carregamos.

E quantas não são as dívidas inconscientes que carregamos? Quantas violações carregamos plantadas em nós pelos nossos pais, amigos, sociedade ou mundo? Seja por sugestão maliciosa, por descuido ou insensibilidade, trote/bullying/ridículo, um escândalo pelo pudor... Essas sementes do pecado, imagens traumáticas, só o fazem frutificar em nossa alma, enquanto não as expurgamos. Muitas vezes nem percebemos que foi plantada lá.

Essa imagem corrompida vai esclerosando a alma com o tempo, que se tensiona permanentemente e vai ficando rígida. A alma começa a perder elasticidade, a qual permite um tônus apropriado para as realidades sensíveis da alma. Isto reduz a percepção espiritual (das realidades que se expressam diretamente à alma) e intelectual (das realidades mediadas pela matéria), além de induzir à somatização de doenças crônicas, cuja tensão só espalha os problemas pelo corpo.

Esse perdão deve ser acompanhado da confissão da nossa própria fraqueza em reagir perante a agressão, pois essa mácula impingida na alma, culpa de outrem, nos levará a um desequilíbrio da alma naquele mesmo pecado, que nos trará alguma excentricidade. Cairemos também nessa mesma ideia, quer dizer, nesta mesma negação da verdade, mesmo que por outro aspecto. Daí a compaixão que devemos ter com quem tenha sofrido algum abuso, principalmente na infância. Por isso o ódio e guerra que devemos travar contra quem explícita ou implicitamente tenta corromper menores. Um particular da luta geral contra o pecado, a incompreensão e a difusão de injustiças.

Conscientemente a alma não fará o resgate daquela imagem, que justamente se interiorizou no inconsciente e que tanto lhe faz mal. Por isso -- um caso de utilidade patente da oração!! -- devemos nos dirigir humildemente a Deus pedindo que nos mostre as nossas fraquezas, onde fomos atingidos (não só por culpa alheia mas por nossa também), a fim de que enxerguemos e peçamos a purificação (remendo) dessa fissura e libertação desta carga. A alma, por sua virtude, não tem força para dar significado universal a todas as nossas experiências. Muitos fatos nos ocorrem, sendo que nossa percepção é que se passa apenas aquilo a que estamos acostumados, o ordinário e sem importância. A providência divina é a única potência capaz de dar sentido ao caos das imagens interiores e de confluir sabiamente o caos externo, incontrolável e opressor, para que a nossa vida tenha saúde.

POSFÁCIO:

1 - O único experimento possível com a substância da psique é a observação de si mesmo, extrapolando-se conclusões a partir da hipótese de que todos os homens são iguais.

2 - Um sujeito (pessoa) perdoa uma ofensa (pecado) a alguém (o agressor, uma pessoa). Mas toda ofensa atinge a realidade, a sociedade, mas também a Deus.

3 - A meditação ordinária é a arte dos gurus de empurrar os fatos todos para o subconsciente, de forma que a memória perca qualquer fiozinho que possa puxá-lo. Alguns fazem isso, ao invés de se sublimar a sua prisão através da confissão, do perdão e da graça. A verdadeira meditação é entregar a vida nas mãos de Deus. Fiat mihi secundum verbum tuum.


_____

Postado no Facebook em 31/03/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário