quinta-feira, 27 de julho de 2017

Dono do pedaço

Se alguém é dono, é porque aquilo é sua propriedade. Uma sociedade anônima nunca será justa. Só o homem (humanidade) é fiador do homem na terra. Não existem princípios abstratos, sistema ou estruturas que funcionam por si: sempre é o homem que age. De forma natural, só o homem cria na terra. Só quem é dono possui responsabilidade, ou inversamente, o que não tem dono fica às traças.

Começo o texto com essas afirmações impactantes, sumarizadas. No desenrolar do texto talvez isso adquira uma dimensão de todo orgânico. Esse texto é como que um mini ensaio sobre a propriedade.



PARTE 1: CENÁRIO EXEMPLIFICATIVO

Estava pensando no Império Brasileiro, como que ele dependia da vontade pessoal dos imperadores. Poucos sabem, mas o Brasil já foi um dos países mais modernos e pujantes, com uma das melhores e mais respeitadas diplomacias do mundo, mesmo não tendo os direitos de hoje (do voto universal, das mulheres, das minorias, da alfabetização etc.). Esse é o fato e outro fato é o hiato daquele Brasil e do Brasil de hoje. O que aconteceu?

Paralelo com a queda de outras monarquias, num contexto de gana do iluminismo, o fato é que clubes fechados (sectários) subverteram a ordem, introduziram o fermento social da apatia e da revolta e um golpe artificial (sem apoio popular) foi dado em 1889. Por um lado, isso aqui era uma possessão com um dono, como conquista dos reis, desde a aclamação pelo povo do 1º Rei de Portugal. Por outro lado, o contraste ficou justo na proclamação da República que, por ser pública, é de todos mas não é de ninguém.

O iluminismo -- liberdade, igualdade e fraternidade -- não gosta de diferenciações entre os homens. Por isso se vê que nos extremos da Rev. Francesa, o que se via era comunismo. Este, que por sinal odeia toda e qualquer elite, principalmente intelectual e cultural, afinal Chico Buarque é "alta cultura". Continuando no Brasil, o que é feio é ter um dono, alguém visivelmente acima dos outros. A revolução tira o governante de maior vulto no mundo para "arejar", fazer alternar, mostrar que qualquer um pode estar lá (até um analfabeto como o Lula) e de 1889 para hoje, o padrão da república brasileira é o golpe.

Antes havia a vontade do soberano, todos sabiam quem era o soberano e a família dele era insigne, por seus feitos históricos. E a família dele -- pasmem! -- tinha abnegação e pensava no bem comum. Depois, passou a valer os interesses ocultos de sociedades secretas ou discretas: o Congresso, que tinha pessoas com interesses particulares, passou a ter só isso, pois a representação já é a primeira luta de classes, que quer fazer valer a ditadura da maioria. O voto é tão volúvel quanto uma biruta e ninguém mais pensava no todo mais, mas no interesse da ocasião, no que dá mais lucra agora, em qual parcela da sociedade será aquinhoada com o bolo.

Naquela hora, valeu o interesse oculto sectário. Hoje o negócio caiu tanto que socialismo virou filosofia respeitável e parcela da sociedade (MST, CUT, Foro de São Paulo e aliados) prega abertamente o recrudescimento e a tomada do poder total. O Brasil simplesmente se corroeu por completo, perdeu todos os princípios e identidade, as rédeas estão soltas para os aproveitadores do momento, que levam pra lá e pra cá sem pensar na nação. Mesmo as FFAA armadas perderam o brio, e acreditam que essa encenação que é a democracia por voto ainda sustenta algum valor nacional.

PARTE 2: RAZÃO DE TUDO ISSO

O meu ponto é que há um "espírito" por detrás de todos esses fatos e que as coisas tenham (ou não) um dono é o maior símbolo disso. Não diria que a volta da Monarquia no Brasil seria a panaceia, mas a sua ausência simboliza muitas coisas em diversos níveis e camadas (até subconscientes) da situação atual, não só do Brasil, pois esse "espírito" perpassa vários erros no mundo.

Todo mundo sabe encher a boca pra falar dos problemas do coronelismo, de máfias, de loteamentos, dos privilégios etc, e concordo: nesse caso falta abnegação. Seja o cara que libera uma concessão aqui, um cara que é chefe do tráfico no morro, um flanelinha que é dono de uma rua, um deputado que distribui favores, um consórcio que ganha todas as grandes licitações, as "empresas vencedoras". Mas isso consiste, de fato, numa forma de paralisar o debate, pois jogam o bebê junto com a água suja, sem parar pra ver o que há por lá.

A grande questão é que tanto o liberalismo (iluminismo) quanto o igualitarismo (comunismo) não aceitam feitos pessoais, ordens pessoais. Eles querem princípios impessoais, para que ninguém seja diminuído. E daí passam a acreditar que esses princípios e estruturas existem independente dos homens, talvez achando até -- como alguns imbecis ambientalistas -- que talvez a terra existisse melhor sem o homem. Mas nem a mão invisível, nem a estrita igualdade de posses (econômicas e culturais) garantem uma interpretação impessoal: é o homem que faz as leis, que decide cumprir (ou não), que julga o cumprimento. O que é o STF no Brasil hoje, senão a prova absoluta da total discricionariedade humana?

Não há como fugir, a estrutura não funciona por si, é sempre preciso homens para operar. Digo mais, dada a limitação do intelecto humano, todas essas belas ideias e estruturas não funcionam perfeitamente, carregam a mancha normal do homem, que o leva a não atingir a perfeição nunca. O que equivale a dizer que por mais bela que seja uma ideologia, ELA NÃO VAI FUNCIONAR como utopia, pois não poderá ser aplicada em absoluto. Digo mais ainda: de tudo o que já foi feito de bom na terra, só sobram as ações concretas em si, gravadas no livro da história (na mente de Deus). Dessas ações não se dirá "ele seguiu um princípio tal", como se a responsabilidade fosse da ideia e não da pessoa, mas se dirá que "ele seguiu a inspiração certa no momento certo".

Ou seja, no fim do mundo, na hora que estiverem sendo somadas e subtraídas as ações de todos, não será eleita a filosofia vencedora. Toda ação terá uma origem, inclusive as ideias. E só lembraremos que tal pessoa fez tal ato. Mesmo as ideias universais, serão referenciadas a quem as descobriu (não a quem as inventou) como um feito em proveito da humanidade e não como ideias em si, com vida própria: pois a vida humana em si, as boas ações e a semelhança com Deus estão muito acima de todas essas ideias abstratas, mesmo as universais.

Resumindo, de coisas e ideias, importa saber quem é o dono. Com relação à ordem geral, considerando o sistema de participação, também importa saber quem é o dono. Uma determinada ordem -- como um rei aclamado em Portugal -- reflete um feito no tempo, construindo algo legado de herança para a posteridade. O rei é a encarnação daquele fato, o símbolo de um país, dos valores que o fundaram (pelos quais se matou e morreu), da religião que forma sua cosmovisão. Organicamente, cada um também estende suas boas obras em suas zona de influência, participando da ordem que herdou de cima, e influenciando para baixo, em direção aos que lhe são subordinados.

As FFAA funcionam nesse sistema de participação: do Comandante da Força, passando pelo Estado Maior, Direção Setorial, Comandantes de Organizações, Superintendentes, Chefes de Departamentos, Encarregados de Divisão e de Seção... cada um é dono do que está abaixo de si. E é essa a linguagem que se usa, pois a pessoa se confunde com a função, um militar é militar em serviço e licenciado, fardado ou à paisana, ele encarna os mesmos valores no ofício e na família. Se ele dá mau exemplo na sociedade, ele é repreendido, mesmo se em privado. A Força sobrevive ao tempo e mantém a tradição e excelência, mas cada um que passa também impregna sua personalidade. Assim como um povo, que é grande pelo somatório do feito dos grandes, que beneficiam a todos.

Uma coisa que eu poderia ter feito no meu trabalho e não fiz (por desleixo, raiva ou preguiça) se torna um benefício que os outros não terão e fará falta. E um bem é um bem, mesmo que feito de forma anônima, sem assinatura em baixo. O trabalho da mão de uma pessoa lhe pertence: ele é o dono.

PARTE 3: TERRA SEM DONO (SEM LEI)

Imaginem se perguntarem ao chefe do estado "por que está acontecendo isso?" e ele responde "eu não sabia". Isso é o mesmo que dizer "vocês confiaram esse país a mim para eu zelar por ele e eu estou desatento". Mas essa frase -- que não é ficção, para a nossa desgraça -- é um símbolo da república, assim como o Rei é símbolo da Monarquia. O Rei é um símbolo nacional assim como o é a Bandeira. Não saber o que se passa é o símbolo da impessoalidade da república, da lei que opera sem pessoas: não é preciso saber, o sistema funciona no automático.

Mas o nosso falido Brasil é a prova de que isso é mentira. Basta o funcionário público adotar uma postura "operação padrão", ou mesmo retaliar os serviços, que tudo para. A lei não funciona por si. E quando as pessoas param de agir honestamente, o que se faz? Educação para a virtude, retomar os valores cristãos fundantes da nação? Negativo. Cria-se mais uma lei (pra funcionar no automático, sem ter quem a aplique) que pune mais essa conduta. Daí que nosso ordenamento jurídico é tão grande quanto a corrupção da nossa sociedade. Corruptissima re publica plurimae leges: numerosas leis [provêm] de coisa pública muito corrupta.

"Não saber" o que se passa debaixo de si é mais grave quando o chefe de estado é o comandante supremo das FFAA. É preciso meditar profundamente o quanto isso é infame e vergonhoso, sinal do fim de uma nação. Essa desculpa não é aceitável em nenhum nível militar. Quem mataria ou morreria por um ser desprezível como esse, que não assume sua responsabilidade? Mesmo que não saiba (é bem provável), isso não é resposta.

Se uma coisa não tem dono, ninguém zela. Podem ver como se faz com coisas comunitárias ou coisas emprestadas: são as que duram menos. Se o empresário não é dono, não tem incentivo em criar e melhorar. Se o militar não é dono, não tem porque dar a vida. Se o governante não é dono, não tem porque pensar num horizonte maior do que as próximas eleições.

PARTE 4: CASO ESPECIAL: A PATERNIDADE

Os pais são donos dos filhos. Eles (e não o estado) são responsáveis por sua educação, como se fossem objetos seus, até a maioridade. É importante usar termos polêmicos e politicamente incorretos como esses, pois eles expressam melhor os fatos. Como é fácil de ver, o estado, a coisa pública, o leviatã, não tem dono. Teria, se fosse encarnado nas pessoas dos governantes, seja o geral ou o local, mas não é esse o "espírito dos tempos" de hoje.

Mas o filho, um prolongamento e sobrevivência do sangue por gerações, é uma obra clara dos pais. Não há produto que tenha origem mais clara que o filho. E dá trabalho, como se sabe. Estado nenhum tem direito de querer tomar posse da sua educação.

PARTE 5: A TRADIÇÃO É A HERANÇA DA HUMANIDADE

Embora cada um seja dono do seu trabalho, algumas coisas são mais perecíveis, outras mais eternas. O alimento estraga, sustenta por um tempo e precisa ser produzido durante toda a vida. Certos conhecimentos e instituições sociais perduram mais, mesmo eternamente. Nem tudo se passa por herança de pai para filho, mas algumas vão de geração para geração, de cidadão para a nação, de nações para nações. Roma abraçou a cultura grega dos colonizadores, acrescentou o seu legado do direito, colonizou o resto da Europa bárbara. As colônias foram exploradas? Sim. Mas a civilização foi um benefício maior. Eis um exemplo de legado entre nações.

A cultura, a língua, os costumes, a coesão social... todas essas coisas, uma sociedade funcionando... é um legado pelo qual se deve zelar. O que pode ser melhorado, deve ser substituído. Mas o que funciona não deve ser descartado pelo culto do novo, da desconstrução.

PARTE 6: A OBEDIÊNCIA

A ordem é justamente as coisas inferiores estarem subordinadas harmonicamente às superiores. As faculdades altas da alma (a fé, as virtudes, a razão) governam as baixas (as simpatias, as cobiças), a isso se poderia chamar pureza e o contrário disso, sensualidade. As ciências estão ordenadas de cima para baixo: a religião, a moral, o direito, a política, a economia. A subversão à ordem se chama revolta e ela quase sempre é injustificável: o normal é as pessoas meterem os pés pelas mãos.

Uma forma da pessoa se proteger de si mesma é, o quanto mais puder, aceitar subordinar-se. Pois o orgulho, só por se afirmar, gosta de estar por cima, normalmente sem razão. Por isso que a obediência é a regra em ordens religiosas: desapegar-se do próprio juízo, acatando o juízo do chefe (seja mais ou menos sábio), é proteger-se do auto engrandecimento, que consiste num pecado contra Deus.

O pecado original foi a revolta contra um princípio de Deus. Se no mundo não tivesse tantas pessoas preocupadas em consertá-lo, ele estaria melhor. Diz-se que até do mal Deus tira coisas boas. Aliás, o mal tenta ser mais mal e acaba por fazer o bem. E, por incrível que pareça, o mundo com o mal, que aparentemente é um defeito, algo que Deus teria criado meio mal feito, é mais belo, quando nos surpreende. De tal forma que esse é o melhor mundo que poderia ser criado, porque Deus é perfeito. Mas o mais impressionante é concluir isso partindo-se da revolta (pois todos somos revoltados de nascença) e ir vendo a sabedoria geral. E saber que a ordem de Deus é perfeita.

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