segunda-feira, 3 de abril de 2017

Rezar pelos outros

Ao mesmo tempo duas coisas, rezar e fazer algo pelos outros. Rezar: muitos acham que é desnecessário, sem propósito, entediante.Fazer algo pelos outros: ninguém vai achar isso condenável, mas até que ponto queremos de fato isso?

Para o católico nada simboliza mais a reza do que o terço. Por um lado porque é uma coisa que os católicos usam e os singulariza. Por outro, são orações conhecidas e repetidas. (Nem vou responder às críticas contra isso, apenas estou descrevendo a reza.) Daí a pessoa começa a rezar o terço oferecendo intenções ao início e, embora as intenções sejam única e exclusivamente para a glória de Deus, as únicas intenções possíveis são para pessoas: tanto para si mesmo, quanto para outras pessoas. É preciso também lembrar outra ocasião de oração, até mais sublime, a missa, em que há um momento para se apresentar as intenções da comunidade.

Rezar se torna, portanto, uma forma de amor (há outros textos que escrevi sobre amor/caridade e suas deturpações). Ama-se a Deus sobre todas as coisas e para amar ao próximo como a mim mesmo, amo a mim e com isso tomo a medida de como amar ao próximo. Se peço para uma amiga, que conhece bastante uma matéria, ajudar um amigo meu, o meu pedido serve para algo, mesmo que não seja eu que faça. O mesmo ocorre na oração, só que o ajudante é Deus.

Deus sabe muito bem do que precisamos. Mas ao mesmo tempo não impõe sua vontade e nos mantém com o livre arbítrio. Muitas vezes pedimos a Deus vaidades e o que nos faz mal e Deus não nos dá, pelo nosso bem. Se dá, é para nos punir, pois as nossas más escolhas nos levam a enfraquecer a inteligência e a vontade para as boas coisas: nesse caso, é preciso pegar o pouco de força que nos resta e pedir para Deus completar a nossa vontade e inteligência, a fim de vencer o que parece impossível e sem caminho. Isso quando pedimos para nós mesmos.

Pela qualidade do pedido, tanto faz se é eu que peço para mim, ou se é outra pessoa que pede a mesma coisa pra mim. Por isso, mesmo sem saber, Deus pode estar fazendo um favor pra mim sem eu pedir. Mas pelo mérito de quem pede, um pedido de alguém mais santo move mais a Deus do que o de um menos santo. Por isso, ao pedirmos pra alguém rezar pra nós, talvez seja mais eficiente que nós mesmos rezarmos. Isso se dá porque a reza é mais eficiente se ela é simples e sincera. Mas ao nos enfraquecermos, nos tornamos falsos e hipócritas, querendo as boas coisas da boca para fora. Mas Deus é capaz de sondar os nossos corações.

E, em se tratando de mérito, é preciso lembrar de Nossa Senhora. Seus méritos são tão grandes quanto é possível se imaginar em criatura de Deus. Por isso, o seu pedido é o que mais move a Deus, ainda mais porque sua vontade procurou ser apenas a vontade de Deus: "faça-se em mim segundo vossa palavra" e "fazei tudo o que ele vos disser". É bom imitarmos Nossa Senhora, procurando saber e nos embebedar da vontade de Deus, por meio do exercício da virtude. É bom, ao vermos nossa pequenez e falta de força, humilharmos a ter que pedir ajuda a ela. Quantos são os que desdenham do auxílio dos cristãos?

Até aqui falei sobre o que é rezar. Agora falarei sobre pensar nos outros.

O primeiro desafio ao colocar alguém na oração é escolher quem. É fácil quando nos pedem. Mais fácil ainda é pedir pelas pessoas de que gostamos. Mas Jesus mandou amar até os inimigos. Daí a gente vê o quanto nossas palavras são da boca pra fora. Tentemos pensar naquelas pessoas que nos irritam, que fazem coisas realmente más, e veremos que não conseguimos oferecer a oração para elas. E a conclusão é óbvia: no final, queremos o mal delas. A ladainha do Espírito Santo já pede: "livrai-nos da inveja da graça fraterna". Chegamos a odiar quando recebem dons: pior será o nosso caso quando esses dons são espirituais.

Eis que rezar pelo próximo se torna uma boa ocasião para um exame de consciência. Não basta palavras bonitas da boca pra fora. Tem muita gente politicamente correta, a favor dos direitos humanos, do meio ambiente, dos pobres e desfavorecidos... mas de boa intenção o inferno está cheio. É preciso de ação. E na hora de rezar, vemos que temos feito muito pouco por essas pessoas pelas quais dizemos nos importar. Já não damos comida a quem tem fome, água a quem tem sede, roupa a quem tem frio, abrigo aos forasteiros... mas também nem sequer damos uma "Ave Maria" por essas pessoas. Na verdade não damos um "Ave Maria" nem pra entes queridos.

E grandes mudanças se dão na personalidade ao rezar. Tanto em quem reza, quanto a quem se destina. Digo por mim mesmo, avaliando o abismo a ser vencido em certas virtudes -- cito uma: a humildade -- eu digo que as minhas orações foram insuficientes. Garanto que havia um abismo invencível, a ponto de eu nem saber que existia. Se não fosse a oração de terceiros -- as quais eu não pedi, de tão mal que estava -- eu não teria superado. Fora outras virtudes que via, sabia e me sentia sem forças de praticar. Daí é viver achando abismos para além de abismos.

Agora, essa filosofia de pedir ajuda e se humilhar é o oposto do que se enxerga como sucesso no nosso mundo. O mundo quer pessoas autossuficientes e orgulhosas. E pedir ajuda de verdade é depender de quem não queremos depender. E essa atitude de ingratidão já vem de berço, ao não reconhecermos a dívida com tudo o que nos fez nossos pais: a nossa sociedade odeia a família. Mas de pais vamos à pátria e a Deus: a nossa sociedade odeia o legado cultural e a religião.

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