sábado, 23 de julho de 2016

Os caminhos da graça

Quero compartilhar com vocês a forma como vejo que as graças do céu são derramadas para os homens. Adoto uma postura Católica e hierárquica, ou seja, falando na ordem que acho mais eminente.



Em primeiro lugar, preciso questionar o que seja a graça, pra delinear melhor seu conceito. A graça se contrapõe ao sem graça, ao ordinário entediante, que eternamente não muda e não nos alegra. A graça nos dá alegria de ver as coisas boas, belas e verdadeira acontecerem. É a graça a encarnar o espírito quando as coisas se renovam. É a graça que me permite ver o extraordinário, onde parece haver somente o normal. A graça colore a matéria com a vitalidade do transcendente.

Eu vou enumerando aquilo que é de mais ordinário e material, que também provém da graça. Mais pra frente, vou gradativamente pegando as manifestações mais espiritualizadas, de forma que o início do que enumero, se relido, parecerá verdadeiramente graça. Então começo na ordem que a graça aparece em nossa vida.

Em primeiro lugar, ex nihilo, Deus cria o mundo e o sustenta existindo. Em mim, isso se manifesta pelo fato de eu existir. Só isso já é muito, praticamente tudo. Podem ver como uma criança, um bebê, é sempre muito feliz diante de uma bobeira qualquer, ou uma novidade. A gente cresce, perde a ingenuidade e tudo parece extremamente entediante. Mas o mundo não mudou.

Mas eu não sou criação direta de Deus. Concorreram para o meu nascimento os meu pais. Minha boa criação dependeu mais ou menos do muito ou pouco carinho e dedicação que dispenderam. Nosso a providência dá de maneira desigual: dou graças a Deus se só recebi bons exemplos, tive um bom berço e educação; dou graças a Deus se não tive nada, ou muito pouco, por me abraçar em Deus e superar isso.

Mas esta criação não se deveu exclusivamente a meus pais. O fogo sagrado tem sido levado de geração em geração pela minha família. E entre as famílias, Deus também distribui os dons de forma diversa. Já diversos costumes, compleição física e psicológica, que herdo da minha família, sem falar dos bens materiais.

Mas mesmo a minha família está circunscrita numa sociedade, num tempo, numa pátria, numa terra, numa língua, numa lei... numa cultura, que é a matéria-prima de toda a minha criatividade e ação pública. Por exemplo, fico pensando numa sociedade barroca, que contratava músicos como J. S. Bach para compor músicas sacras: havia uma demanda, havia um padrão estético, havia uma fé... e essas coisas não se repetirão hoje na minha vida, se eu quisesse viver uma vida idêntica. Nunca nenhuma vida será idêntica: para cada um Deus dá uma vocação.

Existe o concerto das nações e épocas. De certa forma, a história é uma pintura a ser apreciada, desde que exercitados os meus sentidos artísticos para enxergar essa beleza. Tendendo para o universal e eterno, já as colaborações dos espíritos gigantes, que na ordem da sabedoria e filosofia dão colaborações para toda a humanidade.

Em termos concretos, somente um fato teve alcance eterno. Foi o nascimento, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Mas mesmo essa graça não me chegou de forma direta. Se as pessoas reunidas em seu nome se chamam Igreja, foi muito menos o meu desejo de entrar, que a vontade do Espírito Santo, que me colocou lá. Mas só me colocou lá porque havia (e sempre haverá) a Igreja, cujo fogo é um bastão passado de mão em mão, eternizando-se pelos tempos.

Pois vejam, a graça do Espírito Santo é a mais sutil e sublime, que me permite participar da rememoração do sacrifício de Jesus Cristo na missa. No entanto, a graça de Deus veio em formas bem ordinárias pelo meu nascimento, pelos meus pais, pela minha família, pelo meu povo e cultura, pelo tempo atual, pela filosofia e pela Igreja.

Só depois disso é que Deus se manifestou diretamente no meu coração pelo Espírito Santo, para que eu abraçasse a graça. Ou seja, Deus colocou a graça no mundo e nas pessoas, como meio indireto de chegarmos a ele. Por dois motivos, creio. Primeiro, para que sejamos humildes para não acharmos que se trata só de mim e Deus, e azar dos pobres mortais: preciso da ajuda dos outros. Segundo, porque o mosaico da unidade em tão esquisitas e contraditórias diferenças do mundo, é a nossa forma limitada de vislumbrar a grandeza de Deus.

Muito antes de eu bradar arrogantemente o que seja Deus e a fé verdadeira, a natureza e as pessoas já me deram muito da graça de Deus. Isso implica em eu reconhecer a beleza da ordem existente, que veio antes de mim e continuará depois de mim. Tudo o que eu recebi da família, da tradição, do ensino formal... tudo isso é muito maior do que eu e minha ajuda é só incremental, um caquinho em todo o mosaico.

Por isso que é bobagem escutar qualquer um que venha com uma solução perfeita, única, clara e definitiva para os problemas. Primeiro, porque já houve e se chama Jesus Cristo. Segundo, porque a providência age de forma sobrenatural em cada coração e tudo no mundo depende de cada coração. Se um ditasse e os outros seguissem, só haveria um homem e o restante seriam máquinas.

Agora, parece que o mundo anda mais feio e triste, para que justificasse esse louvor todo a Deus. Mas faz parte da graça trocar as nossa lentes. Rezar serve para isso. E serve para amolecer nosso coração, para sermos bons. De fato, é preciso encarnarmos mais o sobrenatural no terreno.

Há muitas ferramentas que Deus deu ao homem para que sua graça esteja visivelmente presente. Em primeiro lugar, a glória, a graça das graças, Jesus verdadeiramente presente na Eucaristia, pronto para ser adorado no Santíssimo Sacramento. É Deus alí. Que poder foi dado aos padres! Mas há os outros sacramentos. O perdão dos pecados na confissão, que desata todo o vínculo eterno que o pecado insinua ter comigo. O batismo, que derrama novamente a água é o sangue que caíram da cruz sobre as nossas gerações, como disseram os judeus. O casamento, aliança entre Deus e o casal para continuar a criação. Nem cito os demais sacramentos.

Mas não só. É preciso se esforçar para ver o espírito impregnado na matéria. Onde? Nas artes, quando são belas artes e não adoração ao que há de baixo no espírito humano. Uma bela música... como se diz, quem canta seus males espanta. E daí, conforme a graça penetra, as coisa ficam belas, até mesmo as feias, por uma alquimia inexplicável de Deus, que transforma o coração de pedra em coração de carne.

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