quarta-feira, 3 de junho de 2015

Gratuidade

Toda existência não tem em nós mesmos sua causa, portanto é um presente. E, como tudo que é fato, tem uma origem e a ela devemos estar gratos. Mesmo quando o homem decidiu por rebelar-se, ainda assim Deus lembrou-se dele e, num ato de amizade, salvou-o de sua própria soberba. Com a corrupção do mundo, surgem os fatos cruentos, a violência, a mentira... mas repetindo os sacrifícios sangrentos (feitos com animais para acalmar os falsos deuses), Deus entregou-se a si mesmo como o ato perfeito de caridade. Não uma caridade simples - como uma mera declaração "como eu te amo!" ou a entrega de um dinheirinho -, mas por fatos e obras não poupou a si mesmo no momento em que amou mais uma vez o homem. Ele o caminho, a verdade, a vida. Ele que é sacrifício e sacerdote universal, rei e servo... mistério da fé.



Deus é o semeador que saiu para semear no coração dos fiéis, mas o fruto abundou de acordo com a fertilidade da terra. A preparação do terreno e a aplainação das estradas foi feita pelo povo escolhido de sacerdotes e pelos profetas, e terminada em Cristo, através de seu exemplo e sacrifício. Ainda nos foi legado o Paráclito, o intercessor: o que falara através dos profetas, que veio em Pentecostes aos apóstolos. O Espírito Santo é a semente deixada por Deus como dom gratuito a todos. Por intermédio desse presente - que é o próprio Deus - o homem pode reconhecer a verdade e servir ao que é bom (só Deus é bom). A lei mesmo (os Dez Mandamentos) já não é mais necessária, pois já não é uma entidade que oprime de fora dizendo o que o homem deve obrigatoriamente fazer, mas dentro de si o homem reconhece o bem, ou seja, pode agir livremente, sem nenhum constrangimento. No entanto, nenhuma vírgula da lei seria retirada até o fim do mundo e Cristo não veio para aboli-la, mas para aperfeiçoá-la - ou seja, maior santidade e perfeição nas ações do fiel.

Frutificar significa levar a própria vida como o exemplo de Cristo, é produzir riquezas (não as falsas!) copiosas. O próprio corpo do homem como o templo preferido de Deus e sua própria vida como sacrifício agradável: corpo e mente puros (com vontades e hábitos bons); ações que levam riqueza aos outros e evitam a escravidão. Daí a própria caridade, que é dar-se para que o outro tenha aquilo que ardentemente necessita. Amando a Deus sobre todas as coisas, o homem reconhece a lei suprema, a fonte de sua vida e toda bondade que vem de Deus. A consequência é o amor a toda a obra de Deus, que se verifica no mandamento moral de amarmos ao irmão como já temos amado a nós mesmos. Toda a lei deriva disso.

Mesmo nos confins do mundo, onde o nome Cristo não foi dito, essa semente foi deixada. De modo que todos podem reconhecer a verdade, que é em suma e concretamente Cristo. Mas a semente pode não dar frutos, porque o solo é duro, as plantas espinhudas podem tomar conta, ou foram perdidas por aí. O homem é pressionado, o mal está presente como força atuante e nesse instante está a liberalidade de Deus perante o homem: a opção pelo erro existe; pelo contraste com o mal, pode-se desejar avidamente o bem. Mesmo assim há o risco de não frutificar e a árvore será reconhecida pelos frutos: se a semente não brotou e cresceu, Deus não terá parte alguma com esse solo. Os eleitos serão como provindos da colheita: os mais viçosos (com maior vitalidade) frutos serão os escolhidos, assim como o próprio homem seleciona aquilo que ficou bem feito.

O mesmo sopro do gênesis - que deu movimento e vida à matéria inerte - foi dado em pentecostes e é auxiliar atual de todos. Em serve para reconhecer o bem e fazer boas obras. Pois a fé é mais que crença: é um discurso por palavras e obras. Agir contra a fé que se professa é demonstrar que ela não é assim tão forte: no fundo, não se acredita tanto no efeito e na necessidade da boa ação. Esse auxílio serve para inclusive pedirmos mais auxílio: purificar-se e santificar-se (por obras e oração) é busca constante para que não caiamos nos vícios (que se tornam hábitos). E o melhor auxílio são os sacramentos (sacrifícios que dão vida), deixados por Deus como ajuda a quem busca, vida dispensada por aqueles que sucedem a Deus. E o principal sacramento é a eucaristia, representação atual do maior dom de Deus: dar-se a si, de graça. O homem deve pedir que Deus proteja sua vida.

E mesmo assim nos vemos como senhores de nossas ações. Há até a impressão de que tudo o que nos vem é mérito nosso. Mas dependemos muito dos outros e da natureza, tanto na divisão do trabalho, quanto na energia do nosso sustento. O homem planta, mas ela cresce pela natureza sozinha. E podemos parar pra ver que as maiores riquezas não vêm de transações financeiras: são presentes. Desde um belo pôr do sol até um abraço amoroso. Do transacionável, só necessitamos por causa das funções animais: deslocar, comer, dormir etc. O caráter superior humano se dá à semelhança de Deus: criatividade e caridade, trabalhar para os outros.

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Postado no facebook em 13/11/2012

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