sexta-feira, 1 de maio de 2015

Autonomia, modismo e equilíbrio

Por autonomia se entende "lei dentro de si". Capacidade de quem contém em si tudo aquilo que o determina, que o move, que o define. Num sentido corriqueiro, usam-na pra falar de fim de uma dependência. Eu posso abrir uma empresa e não ter chefe. Posso ganhar meu dinheiro por fruto de meus méritos e gastá-lo como quiser.


Como liberdade, também é uma palavra que no extremo tem um significado difícil. Se temos um corpo, vivemos num lugar, temos um papel na sociedade ao redor, então a minha vontade não tem tudo quanto é de opção. Deus tem toda a liberdade de criar o mundo a partir de nada existente, de criar seres livres e de manter tudo isso de pé. Mas o homem está circunscrito numa realidade limitada e isso já implica em humildade. Dessa realidade fracionada é que o homem tem matéria para seu intelecto e vida: seus sentimentos, seus julgamentos, seus pensamentos, suas ações.

Mesmo assim, uns cultivam a autonomia como um princípio, uma religião. Uma religião de si. Não têm satisfações a dar ao mundo. Partem do princípio que o mundo civilizado permite que cada um viva sua vontade arbitrária, sem que outro se imiscua, eliminando a violência que se encontra no estado animal. Dispõem de si mesmo como querem.

Muito se fala da busca de si. "Conheça te a ti mesmo". Assim dizem que os princípios universais estão em si. Por outro lado há os que enxergam no cosmos a lei universal da qual o indivíduo é parte, orbitando belamente nas pelas constelações das leis eternas. Esse é justamente o paradoxo do homem, que está entre os animais e os anjos, compartilhando de ambas naturezas. O mesmo paradoxo da matéria mutável e o espírito eterno.

Daí mesmo surgem os dois desequilíbrios do homem. O que se enxerga apenas como todo, como massa, como tribo. O que não suporta estar à margem da sociedade, que se ajusta sempre que a moda voa pra outro lado. E, por outro lado, o que se fecha em si, que se afirma individualidade exclusiva, que age dentro de seu território apenas com suas leis.

O primeiro não se lapida. Tem uma alma disforme. O segundo, rei de si, seria até rei do mundo, mas prefere se fechar aos seus prazeres "originais". Um se acomoda no prazer de pertença grupal. Outro se vangloria de seu gosto pessoal, sua identidade e personalidade. Um se fecha a possibilidade do pensamento liberto. O outro se fecha ao sentimento e compaixão pelo outro.Por isso que o medíocre era um virtuoso na antiguidade clássica. Pois não era excêntrico, não se desviava a exageros. Na modernidade, o gênio excêntrico - o bom de bola, o cientista incompreensível - é que é o modelo.A autonomia está dentro da esfera do desinteresse do outro, da soberba. A pessoa vive, busca em si e nas coisas apenas o que é seu reflexo. É um narcisismo.

O verdadeiro conhecimento e sabedoria é aquilo que permite imergir na realidade sem distorções ou excentricidades. Isso inclui uma vida saudável em todos os aspectos. Quem se alimenta bem, tem as funções do corpo exercitadas, cultiva os sentidos pela arte, fertiliza a alma com as virtudes.

A própria postura da sociedade da busca da felicidade empurra as pessoas para os extremos. O equilíbrio do homem é aquilo que na estática é o "equilíbrio instável", é uma bola no topo do morro. Pessoas "sorrindo de felizes" empurram as outras para uma falsa felicidade, que gerará mais pessoas "sorrindo de felizes". A felicidade é a moda. Só que a sociedade não diz o que querer para ser feliz. As pessoas se agarram à felicidade mais rápida, ou da pertença ou da originalidade.

A tristeza é que é inadmissível. Mesmo que a realidade só mostre a decadência do espírito humano, a pessoa arranjará um meio de se anestesiar. E no fim das contas o tribalismo e a originalidade acabam se tornando a mesma coisa: o que se fechou em si apenas se filiará a uma tribo mais exclusiva, mais elitista e grã fina; o que flutuou no fluxo da moda acabou se fechando no egoismo de seus prazeres.Como ilustração, o mesmo ocorre no extremo capitalismo e comunismo.
  • Na vertente má e desequilibrada:
- Comunismo centraliza os meios produtivos e escraviza a população trabalhadora sob suas determinações.- Capitalismo selvagem resulta em grandes corporações que funcionam de forma idêntica ao estado: uma burocracia com meta no dinheiro, que desumaniza e escraviza o homem.
  • Na vertente boa e equilibrada:
- Comunismo enfoca as virtudes da compreensão das necessidades comunitárias.
- Capitalismo valoriza a liberdade de ação e acredita que as pessoas são boas, espalhando a prosperidade dentro de seus meios de ação e de livre expressão.

Esse esquematismo e dualidade só mostra a limitação do intelecto humano. O intelecto só funciona bem numa realidade concreta, aplicada e limitada. Mas há coisas que precedem a atividade do intelecto. São os pressupostos morais, religiosos, de valor. Mas compreender o que está na esfera teleológica apenas pelo intelecto será sempre incompleto, pois deveria envolver mais fatores: a depuração dos sentidos, dos sentimentos e das vontades. Envolve uma atividade mais nobre que precisa de um homem pleno.

O homem equilibrado é semeado na sociedade e frutifica. O viço, a vida, o transbordar das faculdades, o cuidado e a consideração é a própria expressão do dom de Deus.


_____
Postado no facebook em 14/09/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário