domingo, 8 de janeiro de 2017

A doçura da obediência

Neste artigo quero falar de um dos conceitos mais revestidos de catolicidade, que é a obediência. Por muitos motivos a se meditarem, ela é o doce escudo contra a malícia.



Se pensarmos que nascemos todo dependentes dos cuidados de nossos pais e que na maturidade alcançamos a tão sonhada autonomia, a obediência parece um contra-senso. Na verdade, é estritamente desta forma que a sociedade vê a obediência e por isso a classificam como retrógrada.

Para se obedecer é preciso que se mande, portanto pressupõe a hierarquia. Não se trata de uma visão turva comunitária, em que a liderança surge espontaneamente (ad hoc), com propósito e duração finitos, e depois se dissolve no paraíso igualitário, em que ninguém está acima de ninguém. Não, a obediência perfeita exige um espírito permanente de submissão.

A obediência é menos um bem que permite ordenar racional e organicamente uma sociedade, mas é mais uma proteção contra o maior de nossos males, que é a nossa presunção. Lembrando que o pecado original, causa de todos os demais pecados surgentes, não foi nada mais do que a desobediência: duvido que esta recomendação de Deus seja correta.

A desconfiança no outro, em principalmente em Deus, é causa que nos leva a justificarmo-nos de ações reprováveis contra o próximo: ao invés da consciência repreender a si mesma, projeta o mal no outro.

No "faça-se em mim segundo tua palavra" e no "fazei tudo o que Ele vos disser" está a lição que resume a confiança incondicional que devemos voltar a decorar a Deus. Esta lição foi nos dada justamente por aquela que, embora rainha de toda a criação, "sempre vencia a todos na humildade e obediência"¹. Aqui está a perfeição do Novo Testamento, a verdadeira pobreza de espírito, daquele que busca amar a Deus sobre todas as coisas confiando toda sua vida (propósitos e hesitações) a Ele.

E esta sujeição é um impulso que sempre coloca a auto-estima abaixo do pó. O contrário da soberba, ao invés de dizer e mandar o que deve ser feito, sempre procurar submeter-se. A sociedade já teria hierarquias naturais: os governantes, os pais, os chefes. Mas o "não servirei" do mundo fala mais alto e assim se fermentam todos os males no coração das pessoas.

A obediência não é para que a sociedade funcione melhor. É para eu me proteger de mim mesmo. Olhem como a sociedade vê tudo ao contrário. Se qualquer um conversar com um padre bem devoto, vai ver que ele aspira poucas coisas, não quer projeção, não quer virar bispo, muito menos Papa. Seria dissimulação? Até pode ser, mas caso o contrário, aí está grande lição.

O mundo nos ensina que devemos ser ambiciosos, galgar altos postos, ganhar bastante, ser importantes é reconhecidos. Esse é tudo, menos o pobre de espírito. É ele que sabe o que deve ser feito e não Deus. Ele é o centro, todos devem ouvi-lo, consultá-lo e aplaudi-lo. Fica implícito que pisar nos outros é maestria, mas é ensinamento tácito entre os vencedores.

A presunção cega o homem para a humilhação, para a meditação de seus defeitos e misérias, petrifica-o. Ele dá vazão a seus maus instintos, afinal merece, é a prerrogativa de sua posição. Na verdade é a muleta dá sua solidão, pois não ter Deus é estar só.

De tudo isso, vemos que o que a sociedade elogia, na verdade é suicídio da alma: autonomia, irreverência, despojamento, revolta. Todos os que têm a solução para o mundo, na verdade só trouxeram a destruição. Ideologias??

Daí se pode ver como numa sociedade orgânica (daquelas bem "atrasadas") o padre tem muito poder. Imaginem um povo submisso às leis de Deus. Se alguém comete um pecado escandaloso para a sociedade, ele poderia ser excomungado, o que equivale estar fora da comunidade (até que se remende). Hoje nem faz mais sentido a excomunhão, de tão fragmentada que está a sociedade, porque não existe mais comunidade, cuja unidade é dada pela obediência. Também, disso se conclui que comunidade e ordem verdadeira só existe sob a Igreja, que é propriamente a ordem criada, com a luz sendo Deus, passando pelos coros angélicos, pelo Papa, Bispos, padres, até iluminar os fiéis.

A obediência ensina a desprezar a própria honra e colocar a de Deus acima de tudo. Por isso os santos agradecem as ofensas a eles, mas não perdoam as ofensas a Deus, por cuja honra devem zelar com o mais sensível ardor. Nota-se que o espírito da obediência vale até se não estamos sob alguma regra, ordem, superior... mas é a singela disposição em servir e avatar ordens e sugestões. Isso é uma disposição do coração e não um fingimento, afinal o Reino de Deus é na liberdade de nossos corações, e não nas regras mesquinhas e hipócritas do mundo.

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1 - Irmã Maria de Jesus de Ágreda. Mística Cidade de Deus, 3º Livro, Cap. 18, nº 233.

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