domingo, 8 de maio de 2016

A dupla face do pecado

O pecado pode ser considerados sob dois pontos de vista. Um deles, mais comum no ascetismo de sempre na Igreja, o vê como desequilíbrio do sujeito, que se deixa levar pelo descontrole de seus desejos inferiores. O outro vê a ofensa aos objetos, aos que está fora do sujeito. Na verdade são um mistério em que um implica no outro e na verdade são uma mesma coisa.



Se pegarmos os dez mandamentos, eles colocam justamente as formas de ofender aquilo que está fora de nós: o nosso caos interno gera caos no mundo. Mas mesmo assim a ordem de Deus, tanto interna quanto total, permanece. Jesus Cristo resume os dez mandamentos no amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, mas deixa implícito o que seja o amor a si, tido como óbvio. E depois ultrapassa e coloca a referência máxima: amai-vos como EU vos amei.

Por outro lado, a devoção dos Santos sempre ficou na mortificação dos impulsos internos, nesse ponto ignorando qual seja o efeito resultante no mundo. Pois na verdade o pecado, do ponto de vista interno, é exatamente a confusão do amor a si. Os sete pecados capitais, fruto da soberba, do amor desregulado a si, têm esse foco no que brota de dentro: a vaidade, a gula, a luxúria, a ira, a preguiça, a inveja. Mesmo na confissão dos pecados que ofendem os dez mandamentos, o exame de consciência foca em que mal hábito levou à ofensa.

Mas o interessante é ver como uma coisa implica na outra. Considerando que o pecado original foi uma revolta contra Deus e sua ordem e ao fazermos comparação de nós com os outros ou termos nossas aspirações frustradas, acabamos por dar vazão a essa contrariedade agredindo o mundo. É exatamente a anti-caridade.

A caridade é, pois, a doçura e prontidão no relacionamento com o mundo, na dedicação amorosa de si pelo cuidado com o outro, na compaixão pelos sentimentos do outro, na firmeza da defesa da verdade na vida das pessoas e da sociedade. A anti-caridade, o ódio abraçado de livre e espontânea vontade, deseja o mal ao outro, tem ódio do sistema, gosta de espalhar a malícia, se deleita com a injustiça e adota a mentira. Se trata da vontade de destituição contra a qual os bons devem lutar: tanto nas tentações do ódio contra si mesmo, quanto na destruição da prosperidade e harmonia geral. Afinal, há uma inimizade perpétua entre os filhos da mulher e os filhos da serpente.

Então fugir do pecado, antes de ser um gerador de tabus e de repressão, não é uma tabela de regrinhas sem sentido para controle social, mas é primeiramente a busca pela própria liberdade e doçura do amor sem amarras a amargor. Fugir do pecador é estar apto a amar e o simples amor implica na ausência do pecado. O pecado é a anti-caridade, é o ódio contra si e o mundo.

Mesmo que o mundo seja só sofrimento e agressão, o coração livre e bondoso será capaz de responder sempre com a inesgotável vida que vem de Deus.

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