sexta-feira, 29 de abril de 2016

Crise na Igreja

De um ponto de vista pessoal, ousando enxergar um padrão psicológico, queria falar sobre o que considero notas profundas da crise na Igreja.


Em primeiro lugar, há crise? Diz uma piada que a Igreja resolveu ser simpática ao mundo e abrir as suas portas ... mas daí os fiéis saíram.

Eu sempre insisto que o plano mais profundo de uma sociedade são seus pressupostos metafísicos, fundamentos de qualquer regra de valores e moral. E nesse sentido, mesmo que numa linguagem poética e não científica (obs: não tendo tantos louvores a esta linguagem), o que é metafísico numa cultura é propriamente a religião.

Pra responder a pergunta, é preciso reconhecer que há um conflito entre uma metafísica moderna, imposta culturalmente de fora, e uma outra antiga, que repousa no fundo do inconsciente, principalmente das pessoas mais simples. A metafísica ocidental antiga é a Igreja Católica, resultando no fato de vivermos numa transição (quero que não seja definitiva) para um panteísmo / politeísmo (acabam equivalendo) pré-cristão, ou seja, profano.

Há, pois, crise porque não é possível ter dois senhores regendo a mente. Sempre teremos a sensação de infidelidade perante algum deles e isso gera peso na consciência. O sentimento moral é justamente isso, ou seja, perceber o bem realizado a partir de uma referência de valores. E o homem é um ser moral, justamente por ter o livre arbítrio.

A crise na Igreja se vê pelos os fatos sociais (a cultura)  que se fundamentam cada vez menos nos valores da Igreja. Outro fato é a assiduidade das pessoas na Igreja, que seria o cume, o principal local de congraçamento social. Hoje talvez prefiram os bares e a cerveja à comunhão entre os irmãos.

Respondida a questão, passo adiante. Eu costumo sempre fazer analogia entre o comportamento das instituições (por exemplo, o estado) e o homem. Num paralelo da Igreja (ao mesmo tempo esposa e corpo místico de Cristo) com o homem, vejo essa crise tanto na psique individual, quanto extrapolando, como numa integral desses infinitésimos, para uma psique da comunidade eclesial.

Uma crise pessoal se dá pela falta de sentido, que leva o indivíduo a se perceber ancorado em fundamentos de vento. Aquilo que antes era felicidade irrefletida, a partir de um momento parece se tornar um vácuo e a vida parece ter se transformado, e sempre ter sido, um nada. A crise do fiel na Igreja indaga: o que eu vou encontrar aqui?

Na crise, há dois caminhos: (1) encontrar-se a si; ou (2) encontrar a bebida. Pois, de fato, só há uma metafísica verdadeira. E a sua adversária é a metafísica da negação. A Igreja diz das graças suficientes (o auxílio do Espírito Santo) para que a pessoa adquira consciência, conheça a Deus e, por consequência, a si.

Mas ainda nem cheguei na minha percepção psicológica, que quero compartilhar. A Igreja sempre foi segura de si como a mestra (única) da verdade. Agora ela, embora não formalmente, está hesitante como Pilatos: quid est veritas?

Diz-se do Concílio Vaticano II que foi pastoral, ou seja, não acrescentou nada ao eterno depósito da Fé e verdade. Mas aí está o fundamental: acreditando nos poderes da inspiração do espírito mundano, talvez seja possível abandonar a "letra morta" e fazer a resignificação ("renovação ") da Fé.

A doutrina parece a mesma, ninguém a negará de frente. Mas nem é preciso: o homem se renovou da servidão das regrinhas. No passado, eu que lembrava o que era a fidelidade, faço vista grossa às novas praxes. No presente, eu, ignorante, já nem preciso saber o que foi essa mentalidade atrasada. De forma que fale a prática, pouco importa se contradiz a doutrina. Aliás, pouco importa a doutrina. Ué, não basta amar, e isso não é tão meigo!?

Esquece-se que o não, a resistência, a justiça, a repreensão e o conselho... ou seja, tudo que é carrancudo, também é amor. Amor perece que é só o sorrizinho omisso, leniente e água com açúcar. Amar é ir à guerra pela verdade, se preciso for.

Na prática, o que ocorre é que o costume de muitos na igreja mudou. Já não existe pecado, tudo são distúrbios psicológicos. Já não existe o demônio, que quer a morte por querer. A confissão passa a ser a hora em que o padre justifica a escravidão pela qual as pessoas optaram. Padres já não são guias espirituais. Exercícios e dieta? Só os físicos, pois os espirituais cansam muito as pessoas modernas. Receber a comunhão? Preguiça. Manter a castidade para depois Deus abençoar minha união e eu ofertá-la a Deus? Pra que? Já sou crescido.

Tudo isso sem mudar uma vírgula na doutrina. Aliás, é um bom paralelo da nossa civilização, repleta de analfabetos espirituais com doutorado e de livros sem ninguém pra ler. Não é preciso pedir inspiração ao Espírito Santo, nem conselho à Igreja: a vida é viver vivendo tal como se vive.

Afinal, amar é tão simples... e tudo é tão belo!

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PS: é óbvio que ao falar dos padres uso um recurso linguístico de uma injusta generalização. Mas só ressalto o dilema que padres e leigos sofrem, que os leva a escolher a favor ou contra a fé que eles mesmos dizem professar.

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